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Crítica ao Projeto de Lei nº 5282/2019

Por José Acácio Arruda          Tramita no Senado Federal projeto de lei que acrescenta dois parágrafos ao artigo 156 do Código de Processo Penal. O projeto recebeu o nº 5.282/19, e se for aprovado, o referido artigo do CPP, com sua redação atual (caput e dois incisos), passará a ter os seguintes parágrafos:   § 1º - Cabe ao Ministério Público, a fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito ou procedimento investigativo a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com este Código e a Constituição Federal, e, para esse efeito, investigar, de igual modo, na busca da verdade processual, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa.   § 2º - O descumprimento do § 1º implica a nulidade absoluta do processo. (NR)                         A justificativa do projeto se apoia no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é signatário, no Código de Processo Criminal Alemão, e no direito norte-americano.             O Estatuto de Roma instituiu o Tribunal Penal Internacional - TPI, sediado em Haia na Holanda, com competência para julgamento dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão, e sua jurisdição se estendo aos países que aderiram ao tratado e o incorporaram ao seu direito nacional. O Brasil aderiu ao Tratado e o incorporou desde 2002, submetendo-se desde então a jurisdição do TPI.             O artigo 54 do Estatuto de Roma, dispõe o seguinte:   Artigo 54 Funções e Poderes do Procurador em Matéria de Inquérito         1. O Procurador deverá:         a) A fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com o presente Estatuto e, para esse efeito, investigar, de igual modo, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa;               O Código de Processo Penal alemão, dispõe no seu § 160 (2) que o órgão de investigação deve buscar as circunstâncias que oneram o réu e também as que o exoneram.             No direito norte-americano, uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos fixou no caso Brady versus Maryland[i] a regra de que a acusação é obrigada a entregar à defesa provas que possam exonerar o réu.             A partir desses exemplos do direito internacional e do direito estrangeiro, pretende-se incluir no CPP brasileiro a obrigatoriedade de o Ministério Público alargar o inquérito policial para investigar toda e qualquer circunstância que possa favorecer o réu, sob pena de não o fazendo, ser nulo todo o processo. E assim dar ao Ministério Público um dever de ser imparcial.             À primeira vista, a justificativa para o projeto de lei parece sólida e de acordo com os princípios do estado democrático de direito.             Mas um exame mais atento da justificativa mostra inconsistências.              O projeto propõe inserir no CPP um parágrafo ao artigo 156, com redação idêntica à redação do artigo 54 do Estatuto de Roma, diferindo apenas pelo acréscimo da expressão “cabe ao Ministério Público”. Nada mais do que uma mera cópia do artigo 54, inciso 1, alínea a, do Estatuto de Roma. O Estatuto de Roma estabelece regras procedimentais para a investigação e para o processo criminal nos crimes de sua jurisdição. A adesão do Brasil ao Estatuto do Roma do Tribunal Penal Internacional (Decreto nº 4.388/2002) tem por efeito o Brasil submeter-se à jurisdição do TPI quanto ao julgamento crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, quando praticados em seu território (extensivo a seus navios e aeronaves), ou praticado por seu nacional (art. 12 do Estatuto de Roma). A adesão do Brasil ao TPI não obriga o Brasil a adotar as regras procedimentais e processuais do TPI em na legislação processual penal brasileira, para os crimes previstos em sua legislação criminal e de competência dos órgãos do Poder Judiciário Brasileiro. A disposição do artigo 88 do Estatuto, segundo a qual “os Estados-parte deverão assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos que permitam responder a todas as formas de cooperação” especificadas no Capítulo IX do Estatuto (cooperação internacional e auxílio judiciário), se aplica somente aos crimes de competência do TPI, sendo essa competência subsidiária em relação às jurisdições nacionais dos Estados-partes, ou seja, o TPI somente pode conhecer de um caso quando o Estado-parte onde o crime ocorreu não tenha assegurado devidamente a aplicação do direito internacional aos crimes de competência do TPI. Assim sendo, a adesão do Brasil ao TPI não o obriga a adotar os procedimentos processuais do TPI na sua legislação interna, aplicável a delitos que não são da competência do TPI.             A investigação desses crimes, quando denunciados ao TPI, cabe ao Gabinete do Procurador que atua junto ao Tribunal (art. 42 do Estatuto). É o Procurador que abre o inquérito para investigar o crime denunciado, informando ao Juízo de Instrução do TPI que abriu o inquérito (art. 53 do Estatuto). A regra do artigo 54, I, a, do Estatuto de Roma, existe porque o TPI não tem a sua disposição uma polícia judiciária internacional para investigar os crimes de sua competência. O Procurador depende da cooperação internacional para investigar o fato denunciado ao TPI, e como a cooperação pode ser solicitada a persos países e órgãos internacionais, cabe a ele presidir o inquérito.             Aí se vê que a atribuição do Procurador junto ao TPI, num primeiro momento, é investigar o fato (art. 53 do Estatuto), e em um segundo momento, instaurar o procedimento criminal (art. 58 do Estatuto).             É por essa razão que o Procurador junto ao TPI, quando instaura um inquérito, tem o dever de averiguar tanto as provas que incriminam o investigado quanto as que podem exonera-lo da acusação. Isso permite que o Procurador possa fazer um juízo crítico sobre a necessidade de apresentar uma acusação contra o investigado junto ao TPI, ou arquivar o inquérito.[ii]             Há uma grande diferença do TPI para o sistema de justiça criminal do Brasil. Aqui temos a Polícia Judiciária (Polícia Federal e Polícia Civil dos Estados), que instaura a quase totalidade das investigações criminais. O CPP brasileiro dispõe que compete a Autoridade Policial “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (art. 6º, inciso III), ou seja, a Autoridade Policial tem o dever de colher no inquérito policial provas que incriminem o suspeito e provas que o exonerem. Sua função é investigar o fato, como um todo, e não apenas na parte que incrimina um suspeito. Por essa razão que muitos inquéritos são concluídos sem um indiciamento, isto é, a Autoridade Policial conclui que o suspeito não praticou crime algum.             No TPI o dever do Procurador de alargar o inquérito (art. 54 do Estatuto) se deve ao fato de que ele tem que fazer as funções de investigador do fato e depois as funções de autor da ação penal. O Procurador preside o inquérito.             No Brasil o Promotor de Justiça não instaura e nem preside o inquérito policial. Essa função cabe ao Delegado de Polícia Civil. Ao Promotor de Justiça cabe somente requisitar a instauração do inquérito policial (art. 5º, inciso II, do CPP).             No CPP brasileiro, mesmo que a Autoridade Policial conclua o inquérito com o indiciamento do suspeito, o Promotor de Justiça não fica vinculado a essa conclusão, e pode pedir que sejam feitas investigações complementares (art. 16), objetivando mais esclarecimentos que lhe permitam, dentro de sua independência funcional, decidir pelo arquivamento do inquérito ou propor a ação penal.             Assim, mutatis mutandis, a regra do art. 54 do Estatuto de Roma já está presente no direito processual penal brasileiro, de acordo com a realidade organizacional de nosso sistema de justiça criminal – existência de uma polícia judiciária e de um órgão de persecução criminal separados um do outro – coisa que não existe junto ao TPI.             A invocação da existência no Strafprozessordnung (CPP alemão, conhecido pela sigla StPO) de dispositivo igual ao que o projeto propõe também padece da mesma inconsistência.             O § 160 (2) do StPO visto isoladamente parece justificar que adotemos norma igual, afinal a lei processual alemã supostamente é mais avançada que a nossa, pensam alguns arautos do atraso jurídico brasileiro. Para isso invocam um dispositivo do StPO de forma isolada. O § 160 (2) do StPO está dentro de um conjunto de normas e para ser compreendido não pode ser visto isoladamente. Há uma diferença significativa entre Alemanha e Brasil quando se fala em investigação pelo Ministério Público. Lá, o Promotor de Justiça deve instaurar e presidir o inquérito criminal (§ 160 (1) do StPO), sempre que tiver conhecimento da ocorrência de um crime, seja oficialmente ou informalmente, tendo a sua disposição os recursos da polícia criminal (Kriminalpolizei); lá determinados grupos de agentes policiais são designados como funcionários auxiliares do Ministério Público ( § 152 da Lei Constitucional Judiciária alemã). E o Promotor de Justiça ainda tem alguns poderes para usar durante a investigação, tais como ordenar por iniciativa própria que o acusado compareça em juízo (§§ 163-a, 133 2º e 134 do StPO); e até mesmo ordenar ou executar a prisão provisória em caso de perigo iminente (§ 127, 2º, do StPO); também pode fazer buscas e apreensões e ações de vigilância do tráfico de telecomunicações (Tiedermann, ob. cit).[iii] No direito processual penal alemão, o Ministério Público é o senhor do processo de investigação, conforme informa Klaus Tiedermann (ob. Cit.), e por esse motivo o StPO lhe impõe o dever de investigar os fatos e circunstâncias do crime, colhendo as provas que oneram e desoneram o acusado (§ 160 (2) do StPO). Percebe-se que a situação na Alemanha é bem diferente da situação existente no Brasil. Aqui o Ministério Público não pode instaurar e nem presidir o inquérito policial – somente requisitar a instauração – e não tem os poderes dados ao Promotor de Justiça na Alemanha para efetuar a investigação. Aqui, alguns desses poderes são reservados ao juiz.             Aqui alguns setores jurídicos negam ao Ministério Público o poder de fazer investigações. Não há no Brasil uma lei afirmando que o MP pode e deve investigar, e instaurar procedimentos de investigação criminal. Esse poder investigatório do MP brasileiro está sustentado em decisões do STF, havendo instituições que têm lutado para que essa jurisprudência seja modificada e seja negado ao Ministério Público fazer investigações independentes.             Acrescente-se que a situação funcional do Promotor de Justiça no Brasil é diferente do Promotor de Justiça na Alemanha. O membro do Ministério Público brasileiro tem independência funcional (art. 129 da CF), ao passo que o Membro do Ministério Público alemão está subordinado ao Ministro da Justiça (§ 147 da Lei Constitucional Judiciária alemã). Enquanto que o Promotor de Justiça brasileiro pode discordar de um entendimento do Procurador Geral de Justiça quanto a persecução penal (independência funcional), na Alemanha isso não ocorre, salvo para preservar o princípio da legalidade (Tiedermann, ob. cit).             Diante da cláusula constitucional da independência funcional não se pode impor ao Promotor de Justiça um dever de “alargar o inquérito ou procedimento investigativo a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com este Código e a Constituição Federal, e, para esse efeito, investigar, de igual modo, na busca da verdade processual, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa” penalizando o descumprimento com a nulidade absoluta do processo criminal.             Isso porque, recebido o inquérito policial, existindo os elementos autorizadores para a ação penal (art. 41 do CPP), aptos a formação da opinio delicti, o Promotor de Justiça já está autorizado a propor a ação penal. Tanto é que pode fazer isso ainda que o inquérito não esteja concluído se já existirem os requisitos do artigo 41 do CPP, ou mesmo na ausência de inquérito policial quando tiver em mãos noticia criminis com esses elementos.             Destaca-se que o artigo 41 do CPP não exige que o inquérito tenha sido alargado para colheita de provas que interessem a acusação ou defesa para ser proposta a ação penal. A Autoridade Policial pode colher provas que onerem ou desonerem o acusado, sendo esse o dever dela, já que tem por obrigação a elucidação dos fatos (art. 6º do CPP). Mas não o MP a partir do ponto que já dispõe dos requisitos do artigo 41 do CPP para propor a ação penal. Trazer para o inquérito ou processo criminal provas que desonerem o acusado é função da defesa. Para tanto ela pode indicar a Autoridade Policial essas provas, bem como levar essas provas para a instrução criminal em juízo.             Com relação ao direito norte-americano, também invocado já justificativa do projeto de lei como exemplo a ser seguido, há que se esclarecer que a decisão da U.S. Supreme Court no caso Brady v. Maryland - 373 U.S. 83 (1963) não estabeleceu o dever do Promotor de Justiça estender a investigação criminal para buscar provas que favorecem o acusado. O que essa decisão fixou no direito processual criminal americano é o dever de honestidade e lealdade processual do órgão acusador.             No processo civil anglo saxão existe a regra da discovery (descoberta). Na Common Law, a discovery é um procedimento pré-julgamento, no qual cada parte litigante pode obter da outra parte ou partes, por meio de ações de descoberta, provas como documentos, interrogatórios, testemunhos, etc. A descoberta pode ser obtida de terceiros usando intimações. Se uma solicitação de descoberta de provas é contestada, a parte solicitante pode peticionar ao tribunal que obrigue a parte solicitada a revelar a prova.             Trata-se do dever da parte de mostrar provas que possui quando elas forem solicitadas pela outra parte. Não se trata de um dever da parte de procurar por provas que interessam a outra parte.             Nos Estados Unidos, a Suprema Corte, através da decisão Brady v. Maryland, estendeu essa regra ao processo criminal. A Suprema Corte decidiu que a promotoria deve entregar a defesa todas as evidências que possam exonerar o réu da acusação.             O caso: em 1957, no estado de Maryland, dois homens, John Leo Brady e Donald Boblit, foram julgados pelo assassinato de um homem. Brady confessou envolvimento no assassinato, quando roubaram o carro da vítima para assaltar um banco, mas disse que quem efetivamente matou a vítima fora Boblit. Boblit havia dado a Promotoria uma declaração escrita afirmando que que fora ele quem efetivamente matara a vítima. Os dois acusados, julgados separadamente, foram condenados à pena de morte. Brady recorreu a Suprema Corte, alegando que a Promotoria havia negado entregar a declaração escrita de Boblit, a qual poderia exculpa-lo pelo assassinato da vítima.             A Suprema Corte decidiu que a retenção da prova pela Promotoria violava o devido processo legal, dentro do qual as provas são elementos para determinar a culpa ou fixar a pena. E de acordo com a lei do estado de Maryland, a prova negada pela Promotoria para a defesa de Brady não poderia absolve-lo do crime, mas era elemento para a fixação de sua punição. Brady teve negado um novo julgamento, mas teve direito a uma nova audiência para determinação da pena, na qual recebeu a pena de prisão perpétua. Mas depois de cumprir parte da pena foi libertado.             Essa decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos fixou no direito processual criminal americano, tanto na jurisdição federal como nas estaduais, a regra da discovery. Após essa decisão a defesa pode pedir a “Blady disclosure” para que a acusação entregue toda evidência exculpatória que tiver (chamada de “brady evidence”), que pode consistir em depoimentos de testemunhas, provas materiais, documentos, etc., que conflitem com as provas da acusação.             Posteriormente, no caso United States v. Bagley - 473 U.S. 667 (1985)[iv], a Suprema Corte restringiu o alcance da decisão Brady v. Maryland, afirmando que as provas não reveladas deveriam ser “exculpatórias” e “materiais” para que a violação da discovery rule acarretasse a reversão de uma condenação, e apenas se houvesse uma probabilidade razoável de que o resultado do processo teria sido diferente se a prova não tivesse sido ocultada da defesa.             A decisão Brady v. Maryland foi incorporada como Regra 16 nas Regras Federais de Processo Criminal (Federal Rules of Criminal Procedure) adotadas no procedimento criminal das Cortes Federais americanas[v]. A regra, basicamente determina que, a pedido do acusado, o órgão acusador revele todas as provas que possui, inclusive aquelas que sejam favoráveis ao acusado. Mas em contra partida, em determinadas situações o acusado também tem de revelar a acusação provas que tem em seu poder ou sob seu controle e que pretenda usar em sua defesa no julgamento, ressalvadas as autoincriminatórias.             A regra da discovery estabelece para a acusação um dever de honestidade e lealdade, revelando antes do julgamento, todas as provas que possui, inclusive as que favoreçam o acusado.             Fica claro que a decisão Brady v. Maryland do direito norte-americano nada tem a ver com a proposta contida no Projeto de Lei 5282/19.             O projeto pretende estabelecer um ônus para o Ministério Público, igual ao que existe na lei processual alemã, sem, no entanto, lhe conferir os mesmos poderes que o Ministério Público alemão tem. Muito pelo contrário, o que tem ocorrido são tentativas e tentativas de restringir a atuação do Ministério Público na persecução penal.             Mantida a atual realidade, jamais o legislador irá conferir ao Ministério Público brasileiro poderes de instaurar e presidir inquéritos criminais, e poderes para realizar conduções coercitivas, busca e apreensões, vigilância do tráfego de comunicações e ordenar prisão provisória em caso de iminente perigo. Dessa forma o projeto cria uma obrigação, mas sem dar os instrumentos necessários ao seu desempenho.             E ainda por cima, estabelece uma nova causa de nulidade do processo criminal que será de facílimo uso pela defesa dos acusados de forma desleal.             Considere-se as seguintes hipóteses: (A) Instaurado e concluído um inquérito policial, ele é enviado ao Ministério Público; antes que seja oferecida a denúncia, a defesa do indiciado, de forma desleal, envia ao Ministério Público notícia (verdadeira ou falsa), da existência de uma testemunha, a qual pode beneficiar o acusado; para não causar uma nulidade, antes de intentar a ação penal, o Promotor de Justiça tem de alargar o inquérito e ir atrás do depoimento dessa testemunha; se conseguir, a defesa desleal repete a manobra, informando outra testemunha (as vezes em comarca distante); se o Promotor de Justiça não encontrar a testemunha, a defesa alegará nulidade porque o MP não teria feito a investigação suficiente.             Apliquemos essa hipótese a um caso notório, o do goleiro Bruno, condenado pelo homicídio de Eliza Samudio, cujo corpo não foi encontrado. Se na época desse caso já vigorassem as regras processuais que o Projeto de Lei 5282/19 pretende introduzir no CPP, a defesa do goleiro Bruno poderia alegar que o MP não investigou o suficiente para encontrar o corpo da vítima e provar a sua morte, e nem que investigou o suficiente para encontrar a vítima viva e comprovar a inocência do réu, assim o processo seria nulo. Esse exemplo pode parecer absurdo, mas na prática a proposta legislativa criará as condições legais para que isso ocorra.             Como a proposta não estabelece, e nem tem como estabelecer, até onde e quando o MP deverá investigar, a defesa sempre poderá alegar que não foi cumprida a norma processual e pedirá a nulidade do processo. (B) O Ministério Público recebe o inquérito policial concluído, com todos os elementos de convicção, aptos a intentar a ação penal, e apresenta a denúncia. Enquanto isso a defesa, numa estratégia desleal, finge desconhecer a existência de uma testemunha que, em tese, pode favorecer a exclusão de uma agravante de pena, e que não era do conhecimento da polícia e nem do MP. Condenado o réu, a defesa recorre, alegando que o MP não alargou o inquérito para procurar essa testemunha, e pede a nulidade de todo o processo. Desse modo consegue suprimir não só a o agravamento da pena, mas toda a condenação.             A causa de nulidade que a proposta legislativa pretende inserir no CPP permitirá que a defesa atue sempre com uma carta escondida na manga.             A proposição legislativa praticamente obriga o Ministério Público a “alargar” a investigação em todos os inquéritos policiais que receber, sob pena de nulidade, ainda que no inquérito existem provas da culpabilidade do acusado. A defesa sempre poderá alegar que uma circunstância que pode reduzir a pena não foi investigada, e pedir a nulidade. Imagine o Ministério Público ter que ampliar a investigação em todos os inquéritos policiais que não podem ser arquivados de plano. Isso significa ampliar a investigação em mais de um milhão de inquéritos policiais, no mínimo, se considerarmos os dados do CNMP sobre a quantidade de inquéritos policiais em tramitação no Brasil.             Simplesmente significa a falência da persecução penal.             Conforme visto acima, nem nos Estados Unidos a violação da discovery rule é sempre sancionada com a nulidade absoluta do processo. Tal como foi estabelecido na decisão United States v. Bagley, não é toda e qualquer violação da discovery rule que acarreta a nulidade total do processo. A própria decisão Brady v. Maryland não provocou a anulação da condenação, mas somente fixação da pena, mandando que a fixação da pena fosse reexaminada. A proposta do projeto de lei 5282/19 não só é equivocada quanto às suas justificativas para o parágrafo 1º, mas também é com relação ao parágrafo 2º, criando uma sanção inexistente no direito comparado. Mais uma jabuticaba brasileira.             O projeto também vai contra uma jurisprudência já consolidada, no sentido de que nulidades do inquérito policial não geram a nulidade da ação penal.             No STF: “É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, sendo o inquérito policial peça de natureza informativa, os vícios nele porventura encontrados não repercutem na ação penal” (STF – 1ª T. HC 72.095-1- Rel. Moreira Alves – DJU 01.03.1996). “Eventuais vícios formais concernentes ao inquérito policial não tem o condão de infirmar a validade jurídica do subsequente processo penal condenatório.” (STF – 1ª T. – HC 73.271-SP – Rel. Celso de Mello – DJU 04.10.1996, p. 37100). “Por se tratar de peça meramente informativa da denúncia ou da queixa, eventual irregularidade no inquérito policial não contamina o processo nem enseja a sua anulação (STF – 2ª T – HC 77.357-1-PA – Rel. Carlos Velloso – j. 27.10.1998 – RT 762/546).             No STJ: “A nulidade porventura existente em peças de inquérito policial não vicia a ação penal” (STJ – RHC 6.585 – Rel. Cid Fláquer Scartezzini – j. 05.08.1997 – DJU 27.10.1997, p. 54824). “Eventual lapso ou vício do inquérito judicial não anula a ação penal (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ)” (STJ – 5ª T. Rel. Felix Fischer – ROHC 11.088 – j. 28.06.2001 – DJU 20.08.2001, p. 493). “Eventuais vícios no inquérito policial não contaminam a ação penal, tendo em vista tratar-se, o mesmo, de peça meramente informativa e não probatória.” (STJ – 5ª T. – RHC 10.419 =- Rel. Gilson Dipp – j. 02.08.201 – DJU 17.09.2001, p. 173). Outras decisões iguais são encontradas em: RT 665/287; 669/384;683/305; 685/368; 721/532; 750/705; 756/500. RTJ 73/395. TSTJ 42/80; 59/69; 76/55. O que pode ocorrer é a nulidade de algum ato do inquérito policial, como por exemplo, nulidade da prisão em flagrante; nulidade do exame de corpo de delito, nulidade de busca e apreensão domiciliar. Porém, esses vícios específicos incidem apenas nos efeitos que esses atos terão na ação penal, e não em toda a ação penal a ponta de invalidá-la totalmente. Por exemplo: uma prova material apreendida em busca domiciliar sem autorização judicial – quando necessária – será prova ilícita (a busca domiciliar foi nula) e não poderá ser usada na ação penal, o que não impede que a ação penal se baseie em outras provas. Aquela nulidade havida em um ato da investigação, por si só, não invalida todo o processo criminal. No Estatuto de Roma para o TPI, de onde foi copiada a proposta do Projeto de Lei 5282/19, não está prevista uma regra de nulidade absoluta do processo criminal pela falta de alargamento da investigação, até mesmo porque não é possível estabelecer um limite preciso para o fim da investigação. O termo “alargar” é muito impreciso, e sempre será possível a defesa alegar que o Ministério Público não investigou o suficiente para encontrar a prova da inocência do réu, e por isso o processo é nulo. É obvio que o Ministério Público, tendo em seu poder ou sob seu controle, prova que exonera o acusado da culpa ou de parte dela, não pode ocultar essa prova, e tem o dever de apresentá-la. Porém não faz qualquer sentido impor ao Ministério Público o dever de sair a procura de provas favoráveis ao acusado depois de receber o inquérito policial. Isso desnatura a finalidade do Ministério Público, transferindo-lhe um dever da defesa do acusado, a qual, tanto na faze de investigação, quanto na fase do processo criminal, pode demandar pelas provas que interessem à defesa do acusado. O Ministério Público não pode desentranhar do inquérito policial e nem do processo criminal qualquer prova. Isso só pode ser determinado pelo juiz, depois de ouvidas as partes. Se é desejável adotarmos explicitamente no CPP norma semelhante a discovery rule  do direito norte-americano, então que se faça dentro de princípios harmônicos com  nosso sistema de justiça criminal. Uma proposta de lei nesse sentido mostra-se mais adequada na seguinte forma:   Art. 156-A. Para sustentarem suas alegações, as partes podem investigar em busca de provas além daquelas existentes nos procedimentos investigatórios da Polícia Judiciária ou que as suas vezes fizer, vedado o uso de meios ilícitos de investigação.   Art. 156 – B. Depois de oferecer a denúncia, a acusação deve revelar no processo toda prova sobre o fato objeto da ação penal que tiver em seu poder ou sob seu controle, inclusive provas que sejam favoráveis ao acusado, sob pena de responsabilidade funcional. § 1º - Essa obrigação deve se aplicar somente às provas materiais, documentais e provas orais colhidas formalmente, não se aplicando a boatos, indicações e informações sobre provas supostamente existentes, e nem sobre memorandos, ofícios e documentos internos sobre o caso. § 2º - Podem ser excluídas da obrigação de revelação provas desfavoráveis ao acusado, mas que possam acarretar danos a terceiras pessoas. § 3º - A falta de revelação de prova favorável ao réu pela acusação deve ser comprovada, e a descoberta da prova incidirá no processo criminal somente sobre os efeitos que sua ausência produziu.   Nessa alternativa, o art. 156-A nada mais faz do que adotar o que já é praxe nos meios forenses, deixando claro que não pode ser transposto o limite da legalidade. Tanto acusação quanto defesa fazem suas investigações em busca de provas dos fatos. Ambos requisitam documentos, perícias, localizam testemunhas, etc. São atos de investigação. O art. 156-B acolhe para o MP o dever de apresentar prova favorável ao réu que tiver em seu poder (dever de revelação – discovery rule), o que representantes do Ministério Público já fazem naturalmente. Com essa regra fica adotada regra semelhante a do caso Brady v. Maryland, o que parece ser a intensão do projeto 5282/19. O § 1º define a extensão do dever de revelação, tal qual foi estabelecido no caso United States v. Bagley, que modulou a discovery rule no direito norte americano. O § 2º, aplicado somente a provas desfavoráveis ao réu, permite que seja dada proteção a testemunhas, que se reveladas podem correr riscos. E o § 3º evita que sejam feitas acusações infundadas de que o MP está ocultando provas favoráveis ao réu. A alegação deve comprovar que a prova existe e está em poder do MP. Também afasta a perigosíssima cláusula de nulidade absoluta, mas permite que a prova revelada incida naquilo que beneficiária o réu se tivesse sido considerada no julgamento, tal qual o caso Brady v. Maryland. O projeto de lei 5282/19, na forma como foi proposto, não atende ao desejo comum de aperfeiçoamento da lei processual penal brasileira, mas ao invés disso poderá provocar grande instabilidade na persecução criminal, possibilitando manobras de toda espécie para causar uma nulidade processual que só aproveitará ao anseio dos criminosos pela impunidade. Um real aperfeiçoamento do processo penal brasileiro deve aproveitar boas experiências de outros países, não por mera cópia e imitação, mas de forma que harmonize com o sistema de justiça criminal brasileiro. A proposta do projeto de lei 5282/19, além de estar distanciada de seus supostos paradigmas (Estatuto de Roma, o StPO alemão, e a decisão Brady v. Maryland), não se harmoniza com o sistema de justiça criminal brasileiro. Muito pelo contrário, cria condições ideais para que manobras desleais da defesa sejam aplicadas objetivando uma futura anulação de todo o processo criminal. E como mostramos acima, é possível um aperfeiçoamento do CPP, adotando uma regra semelhante àquela existente no direito norte americano, dentro de padrões de razoabilidade, que em nada prejudicam a atuação do Ministério Público e nem criam sérios riscos de nulidade processual. [i] Estados Unidos da América, Brady v. Maryland - 373 U.S. 83 (1963). [ii] Sobre o TPI vide: Sylvia Helena F. Steiner, Tribunal Penal Internacional, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 28, pág. 208, editora Revista dos Tribunais, 1999. VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Tribunal Penal Internacional e as perspectivas para a proteção internacional dos direitos humanos no século XXI, in RT 830/421, Est Revista dos Tribunais, 2004. [iii] KLAUS TIEDERMANN, Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, pág. 206/207/210, Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2007). [iv] Estados Unidos da América, United States v. Bagley - 473 U.S. 667 (1985). [v] Estados Unidos da América, Federal Rules of Criminal Procedure.
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